quarta-feira, 20 de março de 2024

“Saint Seiya”, “Saint Seiya: The Beginning” e Estados Unidos da América – Dificuldades e desafios (16 de abril de 2023)

 1) Saint Seiya e o objetivo de conquistar os Estados Unidos da América

Não é segredo para muitos fãs que um dos maiores objetivos da Toei com Saint Seiya é levar as aventuras de Seiya e seus amigos para o público estadunidense. Saint Seiya é um dos poucos animes que fez sucesso no mundo inteiro, mas não fez sucesso nos EUA. Muitos dos motivos de seu fracasso são abordados no fascinante documentário da youtuber Ray Mona sobre a história de Saint Seiya nos EUA.

Links:

Parte 1: https://youtu.be/3jp4qrt2VGc 

Parte 2: https://youtu.be/EALBe_cxoDI

Resumidamente, Saint Seiya entrou de fato muito tarde no mercado americano. No momento em que Saint Seiya apareceu para o público, outros animes já haviam sido assimilados pelo público. O que havia de inovação em Saint Seiya já estava presente em seus sucessores, de modo que o público não se impressionou. Além disso, a história completa, com 114 episódios, não foi disponibilizada por completo. Também havia duas dublagens conflitantes, o que prejudicou ainda mais a recepção da obra. 

Trata-se de uma história diferente daqui, do Brasil, onde Saint Seiya surgiu como uma narrativa inovadora. As crianças não estavam acostumadas a ver desenhos com seriados e com forte carga dramática como em Saint Seiya. A verdade é que Saint Seiya é uma espécie de novela para crianças, com uma história longa e complexa. É diferente, por exemplo, de desenhos como Tom e Jerry, que possuem episódios independentes, com histórias autônomas. Isso forçava o público a acompanhar diariamente a série e, dessa forma, criar um vínculo afetivo com os personagens. Esse talvez seja o motivo de Saint Seiya ser lembrado e amado até hoje: os fãs amam personagens e sofrem com eles. Trata-se de um público infantil que frequentemente precisava ficar sozinho em casa porque seus pais precisavam trabalhar o dia inteiro. Saint Seiya, com seu envolvimento emotivo com o público, preenchia um vazio nessas crianças. O mais importante dessa reflexão é que: ele foi o primeiro desenho a fazer isso nesse público. Portanto, por Saint Seiya ter chegado atrasado nos EUA, faz sentido que ele não tenha tido o mesmo impacto que no Brasil, México e outros países, pois outros animes cumpriram essa mesma função na infância das crianças estadunidenses.

Para mim, que sempre sofri com bullying em ambiente escolar, Saint Seiya serviu como um consolo diário. Saint Seiya tornou a minha vida, que não era feliz, um pouco mais suportável. Por isso, tenho gratidão à franquia. Saint Seiya é, portanto, uma história que mexeu com o emocional de muitas crianças e por isso é especial. Mas não estou aqui para falar de mim, e sim da relação entre Saint Seiya e Estados Unidos. Essa é uma relação que me incomoda.

Tenho a impressão de que os produtores de Saint Seiya nunca se conformaram com o fato de esse anime não ter feito sucesso nos EUA. Tem também o fato de que os EUA são um mercado muito importante no cenário mundial. Com 300 milhões de potenciais consumidores, inserir Saint Seiya nos EUA parece ser uma ótima ideia. É uma ótima ideia, mas o problema é como essa ideia é executada.

No documentário de Ray Mona, descobrimos que houve uma tentativa de criar uma versão estadunidense de Saint Seiya. O motivo disso é que se acreditava que o público não se acostumaria à estética japonesa. Contudo, foi provado depois que a melhor maneira de inserir anime nos Estados Unidos é justamente não adaptar sua estética. Sabemos que algumas adaptações foram feitas, como no anime de Pokemon. No início, Satoshi e seus amigos comiam “onigiri”, tomavam chá verde, apareciam com “kotatsu”. Ou seja, elementos da cultura japonesa apareciam de maneira mais frequente. Depois, observa-se que o anime passou a fazer adaptações culturais nesses conteúdos para públicos de outros países. Tornou-se mais comum Satoshi comer sanduíche, por exemplo. Contudo, não houve mudanças radicais estéticas no anime em geral. O traço continuou o mesmo, assim como o modo de narrar as histórias.

Atualmente, essa suposta necessidade de adaptar animes para outros países mudou um pouco. O motivo disso são: popularização dos animes em todo o mundo, expansão da internet e expansão da cultura dos fãs. Os fãs priorizam o respeito à obra original, ou seja: hoje é impensável que “Guardians of the Cosmos”, a versão americana de Saint Seiya que não deu certo, seja algo aceitável por fãs.


2) A importância das comunidades de fãs na recepção de um produto

Então vamos falar sobre os fãs. Embora os movimentos de cultura do fã tenham se desenvolvido de formas diferentes no ocidente e no oriente, com a internet, esse cenário mudou, com a fusão de ambos. A cultura “otaku” cresceu de forma surpreendente quando os fãs de animes, antes isolados, passaram a se comunicar pela internet. Os fãs de anime deixaram de ser comunidades pequenas e agora são numerosos e muito barulhentos. Esses fãs, que assistiram a Saint Seiya e outros animes há muitos anos, cresceram. Hoje alguns deles são influencers do Youtube ou jornalistas. A crítica a animes deixou de ter o ponto de vista parental e passou a trazer o ponto de vista do fã. Lembro que, há muitos anos, os jornais davam informações básicas de Saint Seiya e o criticavam como um desenho violento e não adequado às crianças. Esse é o ponto de vista dos pais. Hoje vemos esses mesmos jornais trazendo textos escritos por jornalistas que viram Saint Seiya quando crianças e hoje falam do ponto de vista do fã. Eles falam de Saint Seiya sem ser de uma forma introdutória. Em suma, o fã deixou de ser um sujeito isolado e agora é um formador de opinião. Isso é muito importante. O fã, formador de opinião, influencia bastante na recepção de um produto. Tendo isso em vista, é muito comum empresas estarem mais atentas ao que essas comunidades de fãs falam.

Eu não posso falar das comunidades de fãs do Japão, mas posso falar das comunidades de fãs de Saint Seiya do Brasil. Embora Henry Jenkins, em seu importante livro Textual Poachers (1992), tenha descrito o fã como um especialista na obra de quem é fã, temo que esse cenário tenha se alterado bastante nos últimos anos. Nossas formas de comunicação se tornaram mais imediatas e curtas. O maior exemplo disso é a rede social Twitter, onde você precisa escrever o que pensa em 280 caracteres. Também vemos produções de vídeos shorts, frequentemente com menos de 1 minuto. Fãs também são atingidos por esse tipo de comunicação mais imediata. Esse tipo de comunicação também afeta a profundidade de nossas reflexões e impressões sobre os produtos que consumimos. Seria muito difícil eu escrever este longo texto no Twitter, não é verdade?

Dessa forma, comunidades de fã também passaram a apresentar textos menos elaborados e analíticos. Fãs, em vez de serem mais analíticos, são mais reativos. Ou seja, em vez de analisar cuidadosamente o produto que consomem, a maioria dos fãs expõem apenas a reação a determinado material. Como esses fãs são muito numerosos, os produtores se deparam com comentários reativos e nem sempre analíticos. Esses comentários são muito comuns nas comunidades brasileiras de fãs de Saint Seiya. Muitos desses fãs não possuem senso crítico suficiente para dizer exatamente qual é o problema do produto. Um exemplo é a reação de fãs ao trailer de Saint Seiya: the Beginning, em que muitos fãs frustrados apenas rejeitam a ideia do filme, sem apresentar um argumento bem fundamentado. Isso prejudica tanto as comunidades quanto o feedback aos produtores.

Ou seja: hoje em dia, as empresas precisam prestar atenção aos comentários e às críticas dos fãs, mas, ao mesmo tempo, muitos desses fãs sequer conseguem elaborar uma boa crítica ao produto que consomem. Dessa forma, agradar os fãs de Saint Seiya está longe de ser uma tarefa fácil. Embora Saint Seiya não tenha se popularizado nos EUA, existe uma fanbase lá – e isso é algo que os produtores de Saint Seiya não podem ignorar, porque isso afeta a recepção do produto. Isso pode afetar, por exemplo, a bilheteria do filme Saint Seiya: the Beginning, a partir da segunda semana de exibição nos cinemas, que é quando os fãs passam a revelar suas impressões na internet.


3) Filmes atuais de Hollywood: “vamos mexer com a memória afetiva dos fãs”

Já faz um bom tempo que Hollywood sobrevive de revivals de histórias com o qual o público tenha algum vínculo afetivo. Por isso, tivemos vários filmes de super-heróis da Marvel e da DC. No cenário atual, temos os lançamentos e anúncios dos filmes Dungeons & Dragons, Super Mario Bros e Barbie. Saint Seiya surge nessa mesma onda, embora atrasado. Infelizmente, o mercado já está saturado de filmes de super-heróis. Vemos, por exemplo, que os últimos filmes de super-heróis não performaram tão bem nos cinemas. Uma possível vantagem para Saint Seiya talvez seja o desejo de o público estadunidense querer assistir a algo que não seja Marvel e DC. Nesse aspecto, pode ser que isso leve esse público ao cinema para ver Saint Seiya: the Beginning.

É importante tratarmos aqui do motivo de esse tipo de filme fazer sucesso. O que atrai o público ao cinema é a nostalgia e o desejo de escapismo para algo da infância. Ou seja, esse tipo de filme é feito principalmente para aqueles que possuem algum vínculo afetivo com o produto. Para Saint Seiya: the Beginning, o vínculo existe com públicos do mundo inteiro… menos nos EUA. Falarei disso na próxima seção. Vou falar mais desse tipo de filme.

O que o público que já possui um vínculo afetivo com a obra deseja? A resposta pode parecer simples, mas não é.

Quando falamos de escapismo ao rever um produto que faz parte da memória infantil de uma pessoa, estamos falando de aspectos que fogem ao próprio produto. Trata-se de sentimentos, sensações e um retorno a um passado. Contudo, mesmo que esse espectador revisite o produto, esse tempo passado obviamente não retornará. É fato que esse indivíduo cresceu, amadureceu, passou a lidar com as responsabilidades da vida adulta. Essa pessoa não carrega mais a inocência da criança e nem tem a mesma capacidade de percepção de uma criança. Dessa forma, mesmo que o produtor entregue exatamente o mesmo produto, ou uma variação muito próxima do original, a forma como esse adulto irá receber o produto é diferente. Momentos emocionantes antes não serão mais tão emocionantes. A maneira de contar a história de antes pode não ser mais tão efetiva. Ou seja, o filme revival tem a missão de trazer de volta um sentimento saudosista para um público que tem percepção de adulto. Esse sentimento pode ser mais fácil de ser atingido com aspectos lúdicos, como a jogabilidade de um game. Contudo isso pode ser mais difícil quanto a obras voltadas a histórias dramáticas, como Saint Seiya. Muitos fãs de Saint Seiya choraram com os personagens quando Shiryu supostamente morreu na casa de Capricórnio. Será que esses mesmos fãs vão chorar ao verem Aiolia lamentar a morte de Lyfia em Soul of Gold? O fato é que isso depende. O revival é construído para o público adulto ou apenas para as crianças? Assim, é necessário fazer a pergunta: os produtores devem entregar o mesmo produto ou devem induzir uma emoção idêntica à do passado para esse público que hoje é adulto? Em complemento a essa última pergunta, outra, muito importante, surge. Como construir essa narrativa para adultos de forma que o público infantil que não conhece o original também possa desfrutá-lo?

Não quero discutir se é realmente possível resgatar esse tipo de sentimento saudosista, mas a proposta do filme revival é esse escapismo emocional do adulto para a infância. Para trazer esse sentimento de volta, é preciso que haja um grau de identificação com o produto. O processo de identificar o produto do passado no do presente deve acontecer pela repetição de elementos ou padrões do produto original. O espectador precisa encontrar elementos que o façam lembrar do produto original. Ao mesmo tempo, essa repetição deve estar de acordo com os padrões atuais de aceitação do adulto. Com isso, a dificuldade de criar um revival de uma obra que foi especial na infância de um adulto fica evidente. Ao mesmo tempo que padrões e elementos devem ser repetidos e identificados, eles devem ser moldados para um público-alvo adulto, e não infantil, ao mesmo tempo em que deve estar adequado aos espectadores mais novos.

Já que estou falando do público, quero chamar a atenção para um fato atual, antes da estreia de Saint Seiya: the Beggining. Eu vi muitos fãs da internet reclamando de o filme não trazer os elementos do original ou mesmo a história. Segundo esses fãs, muito daquilo que permitia a identificação desses fãs com o original se perdeu no material do filme divulgado até o presente momento (antes da estreia). Enquanto que é verdade que um filme live-action adaptado de um mangá antigo demanda muitas mudanças, observo que há outro elemento que interfere na adaptação de Saint Seiya: the Beginning. Trata-se do público-alvo estadunidense.


4) O revival de algo que o público estadunidense nunca viu.

Até agora, falei da perspectiva do público que conhece Saint Seiya. Precisamos falar aqui do público que possivelmente é o que mais interessa aos produtores: o público que não conhece Saint Seiya. Mais especificamente, do público estadunidense. Acredito que o público que os produtores queiram alcançar nos Estados Unidos seja justamente o mesmo dos filmes de super-heróis da Marvel e da DC. Ou seja, o filme de Saint Seiya será tanto para o público mais jovem quanto para o público mais velho, que não é consumidor de histórias em quadrinhos.

Esse seria um objetivo ousado, porque se trata de uma fatia muito grande de público. Tenho amigos que não são consumidores de histórias em quadrinhos e que viram todos os filmes da Marvel porque esses foram os grandes lançamentos da época. 

Contudo, é claro que um filme de baixo orçamento como Saint Seiya: the Beginning não tem o potencial para atrair grande parte desse público. Seria muita inocência produtores investirem nesse projeto acreditando no mesmo sucesso de títulos como Avengers em um primeiro momento. Dessa forma, o presente filme tem um grande desafio para alcançar o sucesso almejado para obter uma continuação. Para isso, não só o filme deve atrair um grande público na sua estreia como deve manter o interesse do público nas semanas seguintes. É nesse momento em que fãs, que são formadores de opinião, podem ser decisivos para o sucesso ou o fracasso do filme. Isso é preocupante, porque muitos fãs estão descontentes com as produções 2D de Saint Seiya no ocidente e estão rejeitando o filme. Outro fato importante é a qualidade dos efeitos especiais. Apesar de o filme ainda não ter sido lançado, vi pessoas elogiando os efeitos especiais e outras dizendo que esses efeitos são muito genéricos. Isso é algo que só saberemos com certeza depois do lançamento do filme. Mas é importante observar que o público estadunidense é exposto a uma grande quantidade de produções com muitos efeitos especiais. Isso pode tornar esse público mais capaz de perceber quando os efeitos especiais não estão tão bem feitos, mas estão dentro do limite do aceitável.

Outro grande desafio para uma adaptação para um público que jamais teve contato com Saint Seiya é a história. Como eu comentei, Saint Seiya funciona como uma novela infantil para o público. Tem uma história longa, cheia de personagens, acontecimentos, reviravoltas, separada em arcos extensos. Se os produtores tentassem explicar todo o intrincado enredo de Saint Seiya em um filme, acredito que precisariam de tediosos 30 minutos ou mais. Portanto, embora muitos fãs antigos reclamem que a adaptação não é fiel ao anime da década de 80, é impossível criar uma adaptação de Saint Seiya a um público mais novo sem a reescrita da história. E isso também é um grande desafio, porque o vínculo afetivo dos fãs de Saint Seiya está muito ligado à história desse anime. É diferente de adaptações como Super Mario Bros e Sonic, que são baseados em jogos e não dependem tanto de histórias para divertir o seu público. Assim, para que Saint Seiya: the Beginning faça sucesso, é preciso que tenha um novo enredo que ainda converse com o sentimento nostálgico dos fãs sem passar pela importante história do anime. Isso é um tremendo desafio.

E aqui chegamos ao ponto que considero mais conflitante nessa adaptação.


5) Conclusão: conciliar públicos-alvos muito distintos é possível?

Pelo meu entendimento, o Saint Seiya: the Beginning não tem como principal público-alvo o fã antigo. Seu público-alvo é, em primeiro lugar, o público médio estadunidense que não conhece Saint Seiya. Esse público, que nunca viu Saint Seiya, não vai entender as referências presentes no filme. Isso significa que Saint Seiya: the Beginning precisa se sustentar com um bom filme de ação. Também precisa ter uma história autônoma. Ou seja, o espectador precisa entender o filme sem ter nunca lido o mangá ou ter visto o anime, o que demanda várias mudanças. Eu me pergunto se o baixo orçamento, por si só, já não tenha colocado esse filme na lista de fracassos desde o princípio pelo fato de Saint Seiya não ser conhecido pelos Estados Unidos.

Para muitos fãs, que querem revisitar os sentimentos nostálgicos da infância, há uma dificuldade também. Isso acontece não só pelo fato de a narrativa ser percebida de forma diferente, mas também pelas inúmeras mudanças de roteiro para o público que não conhece a história.

Para mim, agradar fãs e público geral estadunidense parecem dois objetivos antagônicos. Até o momento, vejo muitos fatores apontando desfavoravelmente à adaptação em live-action. Tenho muitos amigos fãs que, observando a qualidade do material divulgado até agora, não pretendem ver Saint Seiya: the Beginning nos cinemas. Eu me pergunto se a Toei, depois de ter lançado tantos produtos com pouca qualidade de animação, irá colher os frutos que plantou ao criar vários fãs frustrados no ocidente. A resposta para essas divagações virão com o desempenho desse retorno de Saint Seiya aos cinemas, que será no próximo dia 27 de abril.

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